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Gráfico da Semana

Perspectiva de inflação na Europa depende de como os lucros das empresas absorverão os ganhos salariais

A alta dos preços até agora reflete, sobretudo, os aumentos dos lucros e dos custos de importação, mas os custos de mão de obra estão subindo.
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Niels-Jakob Hansen, Frederik Toscani e Jing Zhou

A elevação dos lucros das empresas é responsável por quase metade do aumento da inflação na Europa nos últimos dois anos, com as empresas elevando os preços acima da forte alta dos custos com a importação de energia. Agora que os trabalhadores estão pressionando por salários mais altos para recuperar o poder de compra perdido, as empresas talvez tenham de aceitar uma parcela menor dos lucros para que a inflação continue no rumo certo para atingir a meta de 2% em 2025 definida pelo Banco Central Europeu, conforme as projeções da edição mais recente do nosso relatório World Economic Outlook.

A inflação na área do euro atingiu um pico de 10,6% em outubro de 2022, na medida em que os custos de importação dispararam após a invasão da Ucrânia pela Rússia e os repasses das empresas para os consumidores foram além desse aumento direto dos custos. Desde então, a inflação recuou para 6,1% em maio, mas o núcleo de inflação, um indicador mais confiável das pressões subjacentes sobre os preços, tem se mostrado mais persistente. Isso está mantendo a pressão sobre o BCE para que vá além dos recentes aumentos dos juros, embora a área do euro tenha entrado em recessão no início do ano. Em junho, as autoridades elevaram os juros para 3,5%, o maior valor em 22 anos.

Como mostra o Gráfico da Semana, a alta da inflação até o momento reflete, sobretudo, o aumento dos lucros e dos preços de importação, com os lucros respondendo por 45% da elevação dos preços desde o início de 2022. Isso está de acordo com o nosso novo estudo, que desagrega a inflação, medida pelo deflator do consumo, em custos de mão de obra, custos de importação, impostos e lucros. Os custos de importação foram responsáveis por cerca de 40% da alta de preços, ao passo que os custos de mão de obra responderam por 25%. Os impostos tiveram um impacto ligeiramente deflacionário. 

 

Em outras palavras, até agora, as empresas da Europa estiveram mais protegidas do que os trabalhadores contra o choque adverso dos custos. No primeiro trimestre deste ano, os lucros (ajustados pela inflação) ficaram cerca de 1% acima do nível anterior à pandemia. Enquanto isso, a remuneração dos funcionários (também ajustada) foi cerca de 2% inferior à tendência. Isso não é o mesmo que dizer que a lucratividade aumentou, conforme discutimos no nosso artigo.

Episódios anteriores de disparada dos preços da energia sugerem que a contribuição dos custos da mão de obra para a inflação irá crescer no futuro. De fato, já cresceu nos últimos trimestres. Ao mesmo tempo, a contribuição dos preços de importação caiu desde o seu pico em meados de 2022.

Essa defasagem nos ganhos salariais faz sentido: em comparação com os preços, os salários reagem de forma mais lenta a choques. Isso se deve, em parte, ao fato de as negociações salariais ocorrerem com pouca frequência. Mas após verem os salários caírem cerca de 5% em termos reais em 2022, os trabalhadores agora estão pressionando por aumentos. As principais questões são a rapidez com que os salários subirão e se as empresas absorverão a alta dos gastos com a folha salarial sem aumentar ainda mais os preços.

Supondo que os salários nominais subam a um ritmo de cerca de 4,5% nos próximos dois anos (ligeiramente abaixo da taxa de crescimento registrada no primeiro trimestre de 2023) e que a produtividade da mão de obra permaneça praticamente estável nos próximos dois anos, a parcela dos lucros das empresas teria de voltar aos níveis anteriores à pandemia para que a inflação atinja a meta do BCE em meados de 2025. Os nossos cálculos pressupõem que os preços das commodities continuem a cair, conforme projetado no World Economic Outlook de abril.

Se os salários crescerem de forma mais significativa, por exemplo, à taxa de 5,5% necessária para que voltem, em termos reais, ao nível anterior à pandemia até o fim de 2024, a parcela dos lucros terá de cair para o seu nível mais baixo desde meados da década de 1990 para que a inflação volte à meta (a não ser que ocorra um aumento inesperado da produtividade).

Portanto, conforme destacado na nossa recente avaliação da economia da área do euro, é preciso continuar a aplicar políticas macroeconômicas austeras para ancorar as expectativas e manter a demanda controlada. Isso levaria as empresas a aceitar uma compressão da parcela dos lucros e os salários reais poderiam se recuperar a um ritmo moderado.

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Niels-Jakob Hansen é Economista no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI. Anteriormente, trabalhou na Divisão de Estudos Econômicos Internacionais do Departamento de Estudos, na qual contribuía para capítulos do World Economic Outlook. Trabalhou também no Departamento da Ásia e do Pacífico e no Departamento Financeiro do FMI. Participou de missões na Coreia, Camboja, República Checa e San Marino. Além disso, contribuiu para o trabalho de supervisão do FMI sobre os Estados Unidos e trabalhou em questões relacionadas às finanças do FMI. Os temas dos seus estudos abrangem questões referentes à política monetária, políticas públicas e mercado de trabalho. Teve artigos publicados no Review of Economic Studies, IMF Economic Review, Labor Economics, Journal of Health Economics e Journal of Economic Inequality. É doutor em Economia pelo Instituto de Estudos Econômicos Internacionais da Universidade de Estocolmo, mestre em Economia pela Universidade de Cambridge e mestre em Economia pela Universidade de Copenhague (cand polit).

Frederik Toscani é Economista no Departamento da Europa do FMI e trabalha com a área do euro. Anteriormente, trabalhou no Departamento do Hemisfério Ocidental e no Departamento de Finanças Públicas. Seus estudos se concentram em questões de economia pública, economia do trabalho e crescimento econômico. É doutor pela Universidade de Cambridge.

Jing Zhou é Economista na equipe encarregada da Alemanha no Departamento da Europa do FMI. Anteriormente, trabalhou no Departamento de Finanças Públicas do FMI e foi bolsista no Federal Reserve Bank de St. Louis durante o seu doutorado. Os temas dos seus estudos são economia internacional, ciclo econômico e políticas de transição verde, entre outros. É doutora em Economia pela Universidade de Columbia.

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